Jogo de Palavras

"No principio era o logos..."

domingo, junho 29, 2008

Abertura do ano Paulino

“Paulo não é para nós uma figura do passado que recordamos com veneração. Ele é também o nosso mestre, apóstolo e anunciador de Jesus Cristo para nós. Não estamos por isso reunidos para reflectir sobre uma história passada, irrevogavelmente superada. Paulo quer falar connosco hoje. Por isso quis convocar este especial ano paulino para o escutar e para aprender agora com ele, enquanto nosso mestre, a fé e a verdade em que se radicam as razões de unidade entre os discípulos de Cristo” (Bento XVI na abertura do ano Paulino)
No início deste ano Paulino quero partilhar um trabalho que fiz para a cadeira de Escritos Paulinos:
Introdução

A Igreja vive da Eucaristia desde as suas origens. Nela, encontra a razão da sua existência, a fonte inesgotável da sua santidade, a força da unidade e o vínculo da comunhão, o vigor da sua vitalidade evangélica, o princípio da sua acção de evangelização, a fonte da caridade e o impulso da promoção humana. Esta foi a ideia base para a escolha do tema desta unidade curricular de escritos Paulinos.
O dom do Corpo e Sangue do Senhor, o grande mistério realizou-se na Última Ceia e, por ordem explícita do Senhor Jesus, “Fazei isto em memória de Mim”, foi-nos transmitido pelos Apóstolos e seus sucessores. Ao que São Paulo responde fazendo referência ao pão e ao cálice da nova Aliança: “Eu próprio recebi do Senhor o que por minha vez vos transmiti”.
De Paulo aprendemos a coragem e a perspicácia em anunciar o Cristo que se deu a nós plenamente para que tenhamos vida em abundância. É de Paulo que temos o primeiro relato da instituição da eucaristia (1Cor 11,17-34).
Depois de apresentar alguns traços que definem o carácter de Paulo entro no tema do trabalho falando da Eucaristia em São Paulo e a realidade vivida na comunidade de Corinto para depois apresentar a Igreja como Corpo de Cristo e daí abrir a porta para falar da unidade e comunhão no Corpo de Cristo.

Traços de Paulo

Paulo foi uma das figuras que marcou, de forma decisiva, a história do Cristianismo, o Apóstolo que anunciou o Evangelho em todo o mundo antigo, sem nunca vacilar perante as dificuldades, os perigos, a tortura, a prisão ou a morte.
Nasceu na cidade de Tarso, na Silícia, (Act 9,39; 22,3) numa família judaica da tribo de benjamim (Rm11,1), mas com cidadania romana (Act 16, 37ss; 22, 25-28; 23, 27). Vive num mundo romanizado. Paulo não foi primariamente um escritor, mas um rabino convertido no célebre “Apocalipse de Damasco” (Act 9,1-19; Act 22,4-21; Act 26,9-18) que percorreu muitos milhares de quilómetros, anunciando de cidade em cidade o “Evangelho” da morte e ressurreição de Jesus. Morreu em Roma entre o ano 64-68. Paulo antes do desvelamento era um judeu obediente, ortodoxo; de perseguidor passa a perseguido por amor à Palavra de Deus, Palavra que assume na sua carne. Ama e sofre pelas suas comunidades, relaciona-se com uma relação de paternidade e maternidade, escreve as cartas na condição de pai que quer gerar vida
O nome de Paulo aparece como autor de 13 Cartas do Novo Testamento, escritas a diferentes comunidades, ao longo de uns cinquenta anos: Romanos, Gálatas, 1 Tessalonicenses, 1 e 2 Coríntios, Filipenses e Filémon; 1 e 2 Timóteo, Tito, Efésios, Colossenses, 2 Tessalonicenses.
Teologicamente falando, Paulo assimilou o sistema teológico dos cristãos de origem helenista, que antes perseguia, e começou a pregação contra o sistema judaico, que antes seguia com rigor de fariseu.
Esta inculturação do Evangelho na cultura helenista – tipicamente citadina – levou Paulo, homem da cidade, a utilizar uma linguagem mais teológica e abstracta, própria do ambiente evoluído em que pregou o Evangelho, em contraposição com a linguagem campestre utilizada por Jesus no ambiente agrícola e pastoril da Palestina.
O Deus de São Paulo é um “invasor”. Iluminado por Cristo e possuído pelo Espírito, o cristão não tem descanso. São Paulo apresenta a imagem do atleta que não conseguimos muitas vezes acompanhar 1 Cor 9, 24-27.
Paulo é apaixonado, alma de fogo que se consagra a um ideal. Para ele, Deus é tudo e por isso serve-O com lealdade. Este zelo incondicional traduz-se pela vida de abnegação total ao serviço daquele que ele ama. Trabalhos, perigos de morte, fadigas, sofrimentos, privações (1 Cor 4, 9-13; 2 Cor 4, 8ss; 6, 4-10; 11, 23-27), nada lhe importa, contanto que cumpra a missão pela qual se sente responsável.
"Ai de mim, se eu não evangelizar!" (1 Cor 9,16) São Paulo assume este dever e não descansa enquanto não anunciar a todos o acontecimento que mudou a sua vida: a ressurreição de Cristo. Paulo anuncia convictamente a notícia da Ressurreição. E diz que o faz como se de uma necessidade se tratasse. Mas porque é que este anúncio há-de ser, para Paulo, uma necessidade? É uma necessidade porque Paulo considera o acontecimento da Páscoa de Cristo como único, singular e universal, que o afectou radicalmente na sua maneira de ser homem. A prova é que Paulo mudou tudo na sua vida. Mudou, ou foi mudado. É por isso que Paulo anuncia convictamente a força de Cristo Crucificado e Ressuscitado.

Eucaristia em São Paulo

“Não é digno o vosso motivo de orgulho! Não sabeis que um pouco de fermento faz levedar toda a massa? Purificai-vos do velho fermento, para serdes uma nova massa, já que sois pães ázimos. Pois Cristo, nossa Páscoa, foi imolado. Celebremos, pois, a festa, não com o fermento velho, nem com o fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da pureza e da verdade”. (1 Cor 5, 6-8)
O processo de fermentação era desconhecido e o fermento era símbolo de corrupção e impureza. Em Mt 13, 33 e Lc 13, 21, o fermento aparece sempre referido como capaz de apesar de em pequena quantidade ser suficiente para contaminar tudo. Daí o pão ázimo aparecer é símbolo de pureza e verdade. Enquanto que o cordeiro representa Cristo, o pão ázimo torna-se símbolo da existência cristã, sinal de um novo começo. Onde se lê “Purificai-vos do velho fermento” no grego está: “purificai o velho fermento e deitai-o fora”. Passasse de um ambiente ritual a uma nova vida. A Eucaristia não é nomeada no texto mas transparece claramente. A Eucaristia é mais que um rito[1].
O relato da instituição da Eucaristia mais antigo não se encontra nos Evangelhos mas sim na carta de São Paulo aos Coríntios. A primeira carta aos Coríntios terá sido escrita no ano 56 [2]. Nesta carta Paulo lembra aos cristãos de Corinto aquilo que ele lhes transmitiu na altura da sua primeira passagem, por volta de 50-51. Aquilo que lhes transmitira nesse tempo, afirma tê-lo recebido do Senhor. Paulo terá recebido esta fórmula na sua primeira viagem a Jerusalém, por volta dos anos 36-38, ou quando chega a Antioquia, por volta do ano 40. Portanto Paulo conhecia já o relato da última ceia pela tradição mas a compreensão fundamental foi-lhe revelada pelo Senhor. [3]
Os hagiógrafos não são os criadores dos relatos da instituição, apenas limitaram-se a pôr por escrito os relatos já existentes nas várias igrejas apostólicas. É provável que os textos de Paulo e Lucas sigam a tradição de Antioquia e os de Marcos e Mateus a tradição de Jerusalém (ANEXO I).
As divergências das narrações mostram que a preocupação dos discípulos não foi transmitir exactamente tudo o que Jesus fez e disse na última ceia. A maioria dos exegetas estão convencidos que a tradição espelhada em Marcos e Mateus representam o texto litúrgico utilizado na Eucaristia na primeira comunidade de Jerusalém, enquanto os textos de Lucas e Paulo representam a fórmula litúrgica da comunidade de Antioquia.
O Apóstolo na sua carta não introduziu nada de novo que já não fosse do conhecimento dos cristãos de Corinto. Limita-se a exortar os coríntios a recordar o verdadeiro sentido da Eucaristia por eles celebrada e a evitar abusos introduzidos por eles na celebração do rito. É essa a razão de lhes recordar a instituição de Cristo. A ceia do Senhor torna-se numa recolecção em vez de ser uma comunhão. Cada um preocupa-se em fazer a sua própria refeição (1 Cor 11, 20-21). São Paulo reafirma vigorosamente que não é lícita uma celebração da Eucaristia onde não resplandeça a caridade testemunhada pela partilha concreta com os mais pobres. (cf. 1 Cor. 11, 17-22.27-34). A celebração da ceia do Senhor em Corinto faz-se de uma forma totalmente indigna. Em vez de se reunirem com amor fraterno à volta de uma mesa comum, cada um pensa sé em si mesmo; cada qual consume egoisticamente o que levou em vez de partilhar com os mais pobres. Quando alguém quiser comer para saciar as suas necessidades deve faze-lo em casa a fim de não profanar a acção sagrada com a sua conduta. [4]
Se a Eucaristia é a Ceia do Senhor e a fonte da comunhão fraterna, ela é celebrada como tal. Era precisamente isto que infelizmente acontecia na comunidade de Corinto, onde a celebração eucarística se desenvolvia num ambiente assinalado, pelo contrário, por divisões que desnaturavam o seu significado. O Apóstolo exorta a que quando celebrarem a Ceia do Senhor, a celebrarem bem: fazei de tal maneira que, quando vos reunirdes, seja para fazer uma verdadeira Ceia do Senhor. Paulo lembra à comunidade de Corinto que de nada serve alguém ser baptizado e ter participado na refeição eucarística se, depois, se dá a toda a espécie de vícios (1 Cor 10, 1-13).
“O cálice de bênção, que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não é comunhão com o corpo de Cristo? Uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão.Vede o Israel segundo a carne: os que comem as vítimas não estão em comunhão com o altar? Que vos hei-de dizer, pois? Que a carne imolada aos ídolos tem algum valor, ou que o próprio ídolo é alguma coisa? Não! Mas aquilo que os pagãos sacrificam, sacrificam-no aos demónios e não a Deus. E eu não quero que estejais em comunhão com os demónios. Não podeis beber o cálice do Senhor e o cálice dos demónios; não podeis participar da mesa do Senhor e da mesa dos demónios” (1 Cor 10, 16-21). Este é um testemunho de que a Eucaristia era celebrada, desde o princípio, na comunidade de Corinto como memória da morte sacrificial de Cristo. Assim quem participa da Ceia de Cristo entra em comunhão com o mesmo Cristo, com o seu sacrifício. É evidente a dedução de que em Corinto se celebrava um banquete sacramental.[5]
A Eucaristia é uma Nova Aliança, ela é a renovada Aliança do Sinai. Para São Paulo a Eucaristia é anúncio da morte redentora e a permanência do sacrifício de Cristo no mundo novo. O corpo de Cristo será dado por vós (1Cor 11,23). A sua morte substituiu os sacrifícios da antiga Aliança e libertou os homens instaurando a Nova Aliança anunciada pelos profetas (Jr 3131-34). No corpo de Jesus entregue por todos nós e no cálice com sangue derramado em sacrifício, “funda-se a Nova Aliança, tal como a antiga aliança entre YHWH e os Israelitas mediante a aspersão do sangue do cordeiro imolado.”[6]
A Eucaristia é também um sacramento escatológico. O sacrifício de Cristo permanece no mundo novo. A morte de Cristo desemboca na verdadeira “vida que não acaba mais” (Rm 6,9). É a era escatológica dos bens futuros ao lado da qual a era presente não é senão uma sombra (Hb 10,1; 8,5; Cl 2,17). O sacrifício foi feito uma vez por todas (Hb 7,27; 9,12.26ss; 10,10). O seu sangue substituiu definitivamente o sangue ineficaz das vítimas da antiga Aliança (Hb 12,24); aboliu a antiga (Hb 8,13) e proporcionou a herança eterna (Hb 9,15).
A Eucaristia era celebrada entre as comunidades primitivas “depois de uma refeição,” (1 Cor 1,25) à semelhança da Última Ceia. Uma ceia em comum era um sinal religioso. Ninguém deve comer e beber indignamente o corpo e o Sangue de Cristo. “Todo aquele que comer do Pão e beber do Cálice do Senhor indignamente será culpado contra o corpo e o sangue do Senhor... quem come e bebe sem distinguir devidamente o corpo, come e bebe a própria condenação” (1 Cor 1,27.29). Receber o corpo eucarístico de Cristo, a sua vida de Ressuscitado, é deixar-se acolher nesse espaço onde a morte já não existe e onde o Espírito sugere «o que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, o coração do homem não pressentiu, isso Deus preparou para aqueles que o amam» (1 Cor 2,9).
São Paulo introduz o relato da última ceia “Recebi do Senhor o que vos transmiti” (1 Cor 11, 23). O ter recebido directamente do Senhor é dizer que a recebeu por uma revelação da mesma forma como recebeu a revelação do evangelho a caminho de Damasco.
Na doutrina da Eucaristia Paulo coloca-se na obediência à tradição. A Eucaristia une-nos ao Senhor. “O Senhor Jesus na noite em que era entregue, tomou pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim». Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mim.» Porque, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciais a morte do Senhor, até que Ele venha” (1 Cor 11, 24-26). Este anunciar a morte do Senhor inclui, para os que participam na Eucaristia, o compromisso de transformarem a vida, de tal forma que esta se torne, de certo modo, toda «eucarística». São precisamente este fruto de transfiguração da existência e empenho de transformar o mundo segundo o Evangelho que fazem brilhar a tensão escatológica da celebração eucarística e de toda a vida cristã: “Vinde, Senhor Jesus!” (Ap 22, 20). A Eucaristia é tensão para a meta, antegozo da alegria plena prometida por Cristo.
O Apóstolo coloca em estreita inter-relação o banquete e o anúncio: entrar em comunhão com Cristo no memorial da Páscoa significa ao mesmo tempo experimentar o dever de fazer-se missionário do acontecimento que esse rito actualiza. A Eucaristia exprime a natureza da existência cristã no mundo “enquanto esperamos a vinda gloriosa de Cristo, nosso salvador”. É o momento privilegiado em que a Igreja experimenta o seu ser peregrina a caminho da pátria definitiva. As palavras do Apóstolo recordam-nos as circunstâncias dramáticas em que nasceram a Eucaristia. Esta tem indelevelmente inscrito nela o evento da paixão e morte do Senhor. Não é só a sua evocação mas sacramental. É o sacrifício da cruz que se perpetua através dos séculos. [7]

A Eucaristia na Igreja

O verdadeiro sacramento (sinal) é a Igreja, à imagem de Jesus Cristo, Ele próprio Sacramento do Pai que se manifesta através dele. A Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou sinal, o instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano (LG 1). Ela é povo reunido na unidade do Pai e do Filho e do Espírito Santo (S. Cipriano) e por isso mesmo sacramento da comunhão trinitária. Mas a Igreja, sacramento por excelência, exprime-se nos sete sacramentos, estando os outros seis vinculados com a sagrada Eucaristia à qual se ordenam (cf. SC 16). Sendo a Eucaristia o próprio Cristo, Pão vivo que nos dá a vida, os outros sacramentos de iniciação existem para tornar possível o acesso a tal sacramento, já que, de facto, somos baptizados e crismados em ordem à Eucaristia. O sacramento do Baptismo, pelo qual somos configurados a Cristo, incorporados na Igreja e feitos filhos de Deus, constitui a porta de acesso a todos os sacramentos; através dele somos inseridos no único Corpo de Cristo (1 Cor 12, 13). Mas é a participação no sacrifício eucarístico que aperfeiçoa em nós o que recebemos no Baptismo (SC 17). O Espírito Santo concede-nos os seus dons para que se vá edificando o Corpo de Cristo, portanto a Eucaristia leva à plenitude a iniciação cristã e coloca-se como centro e termo de toda a vida sacramental.
A Ceia do Senhor é como que o sinal e edificação do Corpo de Cristo. É fundamental em Paulo a perspectiva da ceia do Senhor como sinal e construção do Corpo de Cristo que é a Igreja. Nele tem valor absoluto a dimensão eclesial da Eucaristia. É na vivência do ágape – partilha fraterna – que a comunidade está apta a participar no Banquete escatológico quando o Senhor vier. “Formamos um só Corpo, todos nós que comemos de um mesmo pão!” (1Cor 10, 16-17). Por isso, negar ou rasgar a dinâmica do ágape é “tornar-se réu do corpo e sangue do Senhor” (1Cor 11, 27).
A linguagem da fracção do pão e do cálice partilhado é a mesma: Cristo como princípio difusor de Vida Nova! Difundiu o seu Espírito que anima e faz a comunidade pela dinâmica dos carismas. Torna-a Corpo de Cristo! Rasgar a comunidade é rasgar o Corpo de Cristo. Se não há ágape no início do encontro da comunidade, como poderá haver fracção do pão no fim? Esta foi a pergunta que Paulo pôs aos cristãos de Corinto com tons duríssimos… (1Cor 11, 17-34)
Quando Paulo se insurge contra os coríntios pela sua “profanação da Ceia do Senhor”, não está a falar a linguagem do Direito Sacramental, mas a da comunidade fraterna constituída como Corpo de Cristo.

Comunhão e unidade no Corpo de Cristo

“Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? Iria eu, então, tomar os membros de Cristo para fazer deles membros de uma prostituta? Por certo que não! Ou não sabeis que aquele que se junta a uma prostituta, torna-se com ela um só corpo? Pois, como diz a Escritura: Serão os dois uma só carne. Mas quem se une ao Senhor, forma com Ele um só espírito. Fugi da impureza. Qualquer outro pecado que o homem cometa é exterior ao seu corpo, mas quem se entrega à impureza, peca contra o próprio corpo. Não sabeis que o vosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, porque o recebestes de Deus, e que vós já não vos pertenceis?” (1 Cor 6, 15-17). Esta passagem exprime o conteúdo mais profundo da espiritualidade cristã da comunhão. Receber a Eucaristia segundo este texto significa fusão de existências, profunda analogia espiritual com aquilo que sucede na união de um homem e de uma mulher, no plano físico psicológico espiritual. Aqui se cumpre a fusão da divindade com a humanidade.
Daqui parte também a ideia de Igreja como corpo de Cristo, no entrelaçamento interior de Eucaristia e Eclesiologia. O termo tem como ponto de partida o sacramento do corpo e do sangue de Cristo e, portanto, é mais do que uma imagem, pois é a expressão da verdadeira essência da Igreja. Na Eucaristia, recebemos o corpo do Senhor e tornamo-nos, assim, um só corpo com Ele; recebemos todos o mesmo corpo e tornamo-nos, por isso, nós próprios “um só em Cristo” (Gal 3, 28). [8]
Ao dar a sua vida por nós, Jesus oferece-nos assim a possibilidade de entrarmos numa comunhão com ele e, por conseguinte, entre nós. Se, no plano humano, a alimentação e a bebida são assimiladas por aquele que come e bebe, pela comunhão com o corpo e com o sangue de Cristo é ele que nos assimila a si próprio: Tornamo-nos naquilo que consumimos, o Corpo de Cristo, prolongamento da presença activa de Cristo no mundo. A Eucaristia manifesta, no plano sacramental, o sentido profundo da morte e da ressurreição de Cristo: uma comunicação desta Vida, que consiste numa comunhão com a Fonte de toda a vida e que faz de nós uma só família, um só corpo.
Cristo providencia a geração e fomento da unidade com a efusão do Espírito Santo. E Ele mesmo não cessa de promovê-la através da sua presença eucarística. Com efeito, é precisamente o único Pão eucarístico que nos torna um só corpo. Afirma-o o apóstolo Paulo: «Uma vez que há um só pão, nós, embora sendo muitos, formamos um só corpo, porque todos participamos do mesmo pão» (1Cor 10,17). “A união com Cristo é, ao mesmo tempo, união com todos os outros a quem Ele se entrega. Eu não posso ter Cristo só para mim; só lhe posso pertencer se unido a todos aqueles que se tornaram ou tornarão seus. A comunhão tira-me para fora de mim mesmo, projectando-me para Ele e, deste modo, também para a união com todos os cristãos. Tornamo-nos um só corpo, fundidos todos numa única existência”. [9]
João Paulo II na audiência geral de 13 de Setembro do ano 2000 afirma que: “O Espírito anima a toda a comunidade dos fiéis em Cristo. Esse mesmo apóstolo celebra através da imagem do corpo a multiplicidade e a riqueza, assim como a unidade da Igreja, como obra do Espírito Santo. Por um lado, Paulo faz uma lista da variedade de carismas, quer dizer, dos dons particulares oferecidos aos membros da Igreja (cf. 1Cor 12, 1-10); por outro, confirma que "todas estas coisas são obra de um mesmo e único Espírito, distribuindo-as a cada um em particular segundo sua vontade" (1Cor 12, 11). De fato, "em um só Espírito fomos todos baptizados, para não formar mais que um corpo, judeus e gregos, escravos e livres. E todos bebemos de um só Espírito" (1Cor 12, 13). O Espírito e nosso destino Por último, devemos ao Espírito o poder alcançar nosso destino de glória. São Paulo utiliza neste sentido a imagem do "selo" e o "penhor": "fostes selados com o Espírito Santo da Promessa, que é penhor de nossa herança, para redenção do Povo de sua possessão, para louvor de sua glória" (Ef 1, 13-14; cf. 2Cor 1, 22; 5,5). Em síntese: toda a vida do cristão, desde as origens até sua última meta, está sob a bandeira e a obra do Espírito Santo”.
“O amor cresce através do amor. O amor é «divino», porque vem de Deus e nos une a Deus, e, através deste processo unificador, transforma-nos em um Nós, que supera as nossas divisões e nos faz ser um só, até que, ao fim, Deus seja “tudo em todos” (1 Cor 15, 28).

Conclusão

Se todo o evangelizado recebe o direito e o dever de evangelizar, então a nossa missão só estará cumprida quando tivermos sabido fazer de cada evangelizado um evangelizador.
Na nossa peregrinação pelo mundo, convém termos sempre presente “a esperança a que fomos chamados”. A ressurreição de Cristo é a garantia da nossa própria ressurreição. Formamos com Ele um “corpo”, destinados à vida plena. Esta perspectiva tem de dar-nos a força de enfrentar a história e de avançar – apesar das dificuldades – esse caminho do amor e da entrega total que Cristo percorreu.
Dizer que fazemos parte do “corpo de Cristo” significa que devemos viver numa comunhão total com Ele e que nessa comunhão recebemos, a cada instante, a vida que nos alimenta. Significa, também, viver em comunhão, em solidariedade total com todos os nossos irmãos, membros do mesmo corpo, alimentados pela mesma vida.
Dizer que a Igreja é o “pleroma” de Cristo significa que temos a obrigação de testemunhar Cristo, de torná-l’O presente no mundo, de levar à plenitude o projecto de libertação que Ele começou em favor dos homens. Essa tarefa só estará acabada quando, pelo testemunho e pela acção dos crentes, Cristo for “um em todos”.
“Ligando a Ceia do Senhor com o julgamento e com o alimento espiritual, com a nova vinda de Cristo e com a sua morte, Paulo enfatiza que a celebração da Ceia do Senhor de facto “proclama” todo o evangelho e oferece instrução e sustento durante a caminhada do já para o ainda não.

[1] RATZINGER, Joseph – Caminhar juntos na fé, Editorial A. O. – Braga 2005 pag 98.
[2] MARTINS, José Saraiva – Eucaristia, Universidade Católica Editora – Lisboa. 2002.
[3] Cf. BORNKAMM, Günther – Estúdios sobre el nuevo testamento, Ediciones Siegueme Salamanca 1983.
[4] KUSS, Otto – Carta a los Romanos, Cartas a los Coríntios, Carta a los Gálatas, Editorial Herder, Salamanca, 1976.
[5] BORNKAMM, Günther – Estúdios sobre el nuevo testamento.
[6] KUSS, Otto – Carta a los Romanos, Cartas a los Coríntios, Carta a los Gálatas.
[7] João Paulo II – Ecclesia de Eucharistia
[8] RATZINGER, Joseph – Caminhar juntos na fé.
[9] Bento XVI – Deus caritas est