Jogo de Palavras

"No principio era o logos..."

sexta-feira, julho 24, 2009

Apontamentos de uma peregrinação

Partimos cedo de Valença com destino a Porriño, onde passamos a noite. Depois de uma etapa cumprida, as primeiras bolhas começaram a aparecer nos miúdos. O dia termina com a partilha de expectativ1as para o caminho, apresentação dos alunos e professores dos Colégios Amor de Deus, de Cascais, e Nossa Senhora de Lourdes, do Porto e com a oração da noite.

Os dias sucediam-se com o mesmo ritmo e dinâmica. Cada etapa que fazíamos, tinha em média de 20 km. O caminho, o cansaço, a entreajuda, a fraternidade, reflexão de um tema, a partilha e oração, dinamizavam cada dia.

Ao longo do caminho íamos passando pelos outros (num grupo de 72 é normal haver diferentes ritmos de caminhada), sempre com um sorriso e uma palmadinha nas costas.
A paisagem levava à contemplação, imaginei os milhares de passos que peregrinaram, que calcorrearam aqueles caminhos, as suas preocupações, motivações e alegrias. Caminhos que nos levam ao túmulo do Apóstolo Santiago.

Seguindo as setas e as vieiras íamos cortando ruas, campos e caminhos, encontrávamos rostos, anónimos a sorrir. Um caminho, por vezes tortuoso, com altos e baixos, subidas íngremes, irregular, mas também fresco, ladeado por carvalhos centenários e riachos que se encontravam por vezes com o caminho.

O último dia, em Padron, foi de chuva. Choveu a noite toda e ao acordar continuava a chover. Foi declarado alerta amarelo pela protecção civil, dada a intensidade das chuvas. Nada nos deteve, mesmo assim partimos animados até Santiago de Compostela. As bolhas nos pés, o cansaço acumulado, o banho de água fria, dormir no chão de um ginásio das localidades que nos foram acolhendo, não foi impedimento, logo, não ia ser a chuva impedimento para os últimos 20 km. Quase 4 horas a caminhar sem parar, o sacrifício redobrado mas compensado quando ao fundo se avistou a catedral. Um novo ânimo revigorou as nossas forças, retemperou o nosso corpo gélido pela chuva que teimosamente nos acompanhou.

Chegar a Santiago, mais do que o sentido de objectivo cumprido, é olhar para trás e reparar nas pequenas mudanças que o caminho imprime em nós. É claro que o objectivo era chegar a Santiago, mas mais do que isso. Fazer o caminho por fazer, torna-se vazio. Fazer o caminho com propósitos firmes, abandonado ao dia-a-dia, aprendendo com tudo e todos, são factores que de facto transformam um pouco do que nós somos.
O caminho que fizemos, marcado num mapa, ou mesmo por GPS, seguindo as setas amarelas e as vieiras, não é o mesmo caminho que fazemos interiormente, uma história pessoal, onde acontece o encontro com o Outro e que dá lugar a um renascimento.